Não faz muito tempo, o paciente entrava no hospital e deixava sua identidade e carteira do convênio com a recepcionista – esta que, por sua vez, unia esses dois documentos com um clipe e colocava-os ao final de uma fila, ocupada pela papelada daqueles que estavam lá antes. Quando chegasse sua vez, a pessoa era chamada para fazer a ficha de atendimento – um papel que ele levaria consigo durante toda a sua estadia e que, quando deixasse o ambiente, seria arquivada em uma imensa sala, recheada de caixas-arquivo, com outros tantos papéis. A triagem na enfermaria viria somente depois, com a consulta médica ocorrendo na sequência. E o mesmo caminho do atendimento hospitalar era seguido pela ficha, que a cada etapa recebia um novo carimbo, anotação ou checagem. Triste fato: caso retornasse ao hospital algumas semanas, meses ou anos depois, dificilmente esse papel, recheado de informações tão importantes, estaria devidamente acessível para economizar tempo no processo.

Nota-se, em todo esse processo, uma forte dependência humana durante o atendimento hospitalar. Se a recepcionista se enganasse ou deixasse cair o documento do paciente no chão, ele perderia lugar na fila de registro da ficha. Caso a enfermagem não entendesse a letra do médico, demoraria mais tempo para aplicar a medicação ou, pior, poderia oferecer a droga ou dosagem errada à pessoa. E me refiro somente a alguns dos problemas que podem acontecer em uma unidade de pronto atendimento. Um ambiente hospitalar é muito mais complexo do que isso.

Apesar de o papel ainda ser a realidade de muitos hospitais, o processo de digitalização já começou a impactar o atendimento hospitalar, trazendo o conceito de Hospital Digital. E já está transformando toda a forma de gerir a organização e garantir o objetivo final de qualquer implementação tecnológica: benefícios ao paciente, com melhor atendimento e qualidade na assistência. Abaixo, alguns exemplos:

Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP): é a ficha descrita acima, mas em ambiente 100% digital. O grande diferencial do PEP é que ele reúne todas as informações clínicas e assistenciais sobre o atendimento, além de armazenar todos os dados e histórico do paciente. Em vez de fichas e fichas armazenadas em uma sala, todas as informações são acessíveis pelo sistema, por todos os profissionais que estiverem em contato com o paciente, seja a recepcionista, seja a enfermagem, seja o médico. Vale um destaque: o prontuário eletrônico do paciente disponibiliza as informações em tempo real, podendo ser acessado de qualquer lugar, garantindo a uma rede a qualidade do atendimento hospitalar.

Telerradiologia: talvez a digitalização mais comum no Brasil, a telerradiologia desobriga a presença de médicos radiologistas no hospital para a emissão de laudos. Estamos falando do Sistema de Comunicação e Arquivamento de Imagens (PACS, da sigla em inglês) para capturar, armazenar e distribuir as imagens coletadas nos exames.

Cloud computing: com o avanço tecnológico dentro dos hospitais, o temor em relação à garantia da integridade e segurança dos dados em cloud computing passou. A ausência de investimento inicial e o custo reduzido de manutenção de tecnologias baseadas em nuvem, associadas ao preço cada vez menor dos links de internet, estimulam a digitalização de hospitais.

Portais de conhecimento médico: os portais de conhecimento médico são ferramentas de comunicação que levam conteúdo, informação e atualização aos profissionais de saúde e, sobretudo, focam em ajudar na promoção da segurança durante o atendimento hospitalar. O objetivo é amparar a decisão clínica, por meio de recursos como informações médicas baseadas em evidências científicas.

Gestão de crônicos com Internet das Coisas (IoT):  uma estratégia de gestão de crônicos com IoT passa, invariavelmente, pelo uso de dispositivos inteligentes – responsáveis por coletar os dados e sinais vitais dos usuários – e por serviços de cloud computing – para o dado ser processado e analisado. No caso da prevenção, por exemplo, dispositivos devem analisar os batimentos de uma pessoa com problemas cardíacos para aconselhá-la a ir ao hospital antes que a situação se agrave. Esses mesmos dados podem amparar o médico em suas decisões tão logo o paciente chegue ao hospital. Por aqui, o tema ainda é pauta um pouco distante nas discussões sobre o futuro da tecnologia na Saúde.

Big Data e Analytics: com cada vez mais dados sendo gerados pelas diferentes tecnologias, o resultado é um amontoado de informações que pode ser parametrizado e integrado ao PEP.

Papel do médico: com a evolução tecnológica, exige-se do médico uma postura mais estratégica, pela qual o profissional trabalhe como um cientista de dados, usando estrategicamente as informações geradas pelas tecnologias – cruzando hábitos de alimentação com histórico de saúde, por exemplo – para um diagnóstico preciso e seguro.

Com todas essas transformações, que levam o ambiente ao conceito de Hospital Digital, a cena descrita na abertura do artigo ficará, para sempre, no passado. E, certamente, haverá muito mais segurança ao paciente.

Ubirajara Maia, diretor de Sistemas da MV.