Num levantamento rápido feito com alguns dos principais municípios do país, identifiquei um dado comum a praticamente todos: a quantidade de pacientes que deixa de comparecer às consultas marcadas na rede pública chega, em média, a 30%. Pode parecer pouco, mas não é. Qualquer um que lide com saúde ou se dedique minimamente ao tema sabe que esta é uma das maiores carências da população do Brasil e coleciona relatos de falta de estrutura, baixa qualidade nos atendimentos e filas, muitas filas. Mas, para um sistema sobrecarregado e necessitado de uma reformulação na gestão, o absenteísmo não deve nem ser sentido, certo? Errado. Ele faz toda a diferença na atenção dedicada ao cidadão nas unidades básicas.

É importante entender o que representa uma desistência e porque é tão difícil evitá-la. Primeiro, observe o cenário: uma pesquisa recente do Instituto Datafolha a pedido do Conselho Federal de Medicina mostra que 87% dos eleitores brasileiros consideram a saúde oferecida à população pelo SUS péssima, ruim ou regular. Entre os indicadores que levam a este percentual está a demora em conseguir marcar uma consulta e a dificuldade no processo. Muita gente reclama da necessidade de ter que ir às unidades de saúde ainda de madrugada, aguardar numa fila a retirada de poucas senhas oferecidas por dia para daí agendar um horário — que, não raras as vezes, só vai chegar dali alguns meses. A indignação por ter o acesso a um serviço básico dificultado não o faz perceber que aquilo é coisa séria e muitos esquecem do seu compromisso de comparecer no dia do agendamento, prejudicando todo mundo, pois aquela consulta tão valiosa foi perdida.

Questionados sobre como lidam com a situação, muitos gestores públicos dizem que as equipes de atendimento ficam de mãos atadas. Com o horário de expediente dedicado a demandas administrativas repetitivas e que poderiam ser digitalizadas, muitos profissionais não conseguem nem ligar para os pacientes alguns dias antes da data, confirmando ou desmarcando o horário com o doutor, o que permitiria chamar outra pessoa. Mas isso pode mudar, e em algumas cidades, a transformação já começou.

Em dezembro de 2016, o Ministério da Saúde determinou que todos os municípios do país adotassem o Protocolo Eletrônico para a saúde básica (e-SUS AB). A ideia é contar com o reforço da tecnologia e permitir o controle, dentre outras tarefas, de rotinas como o agendamento de consultas e exames, a evolução clínica e a criação de um histórico da saúde dos pacientes, e até o controle em tempo real dos estoques de medicamentos nas cidades. Hoje, mais de 57,5 milhões de brasileiros têm a saúde monitorada digitalmente, e os poucos municípios que não aderiram à tecnologia podem ter repasses do Governo Federal suspensos, inviabilizando a gestão.

Conheço cidades que usam soluções digitais para a gestão pública de forma irrestrita e transformaram a administração, ganhando em eficiência, celeridade e mais dinheiro em caixa para investimentos, seja por meio da economia que a digitalização traz ou pelo aumento de arrecadação, por exemplo. Numa delas, a economia chegou a R$ 84 milhões por ano, pois foi possível desenvolver um planejamento estratégico conforme o que a cidade precisava. Com softwares criados especialmente para esta finalidade, é mais fácil ver quais áreas têm mais necessidades, se há desperdícios e gerenciar rapidamente os atendimentos médicos, por exemplo. O gestor público pode deixar de se preocupar com as tarefas que tomam tempo e trazem pouco resultado para se concentrar no que realmente faz diferença para a população. A tecnologia é um ótimo remédio para melhorar a gestão das cidades, dos estados e do Brasil, com resultados surpreendentes. Mas, como todo tratamento, exige o abandono de velhos hábitos e a vontade de melhorar.

Normênio Momm,  administrador e gerente de desenvolvimento do IPM Saúde.