“Tenho HIV. O que devo fazer?” Essa é umas das perguntas mais frequentes quando alguém se descobre soropositivo. E durante esse processo, a pessoa tende a ficar em choque. O medo aparece, o coração dispara por um instante e pensamentos confusos podem passar pela cabeça do indivíduo. Mas, o que nem todos sabem é que, há 20 anos, por meio de tratamentos adequados, já é possível (con)viver com o HIV. E é claro que a informação correta, o combate ao conservadorismo e a tecnologia podem ser os melhores aliados.

Também neste sentido e para contribuir com a superação dessa fase de medo e preconceito do HIV, da qual ainda não conseguimos nos livrar totalmente enquanto sociedade, e dar o verdadeiro suporte e conhecimento para a prevenção e a assistência necessárias, é que campanhas como a “Dezembro Vermelho” foram criadas, exatamente em consonância ao 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids. Segundo dados da OMS, os índices de mortes por essa causa estão caindo, mas a estimativa é que 20% dos infectados com HIV ainda não saibam disso. Acredita-se que, no Brasil, 135 mil brasileiros vivam com HIV sem saber.

Na era da tecnologia e apps de saúde, as maneiras de se consultar estão mudando. Muitas pessoas já fazem vídeo-chamadas para se consultarem com seus médicos, criando uma relação de confiança que até então não existia. A Cuidas, por exemplo, por ser uma startup de saúde voltada a colaboradores de empresas, vem se aproximando de seus pacientes por meio dos Médicos e Enfermeiros de Família: eles vão até a empresa e fazem a primeira consulta, que normalmente demora 30 minutos. Ao longo do tempo, existe o estreitamento da relação, e é quando os pacientes se sentem confortáveis para falarem sobre sua saúde e até abrirem dados até então confidenciais.

Após a primeira consulta, por meio de app, o paciente fica com o whatsapp do seu enfermeiro de família, e começa um contato mais próximo. Mais de uma vez, por conta desta proximidade criada entre profissional e paciente, os enfermeiros de família da Cuidas receberam fotos de pessoas que suspeitavam estar com alguns sintomas de IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Entre estes casos, um deles chegou a ser orientado a fazer uma consulta com um especialista. Já outro, pela foto, chegou a ser medicado e a questão foi resolvida.

Não é possível afirmar que uma foto possa revelar uma IST. Diagnosticar remotamente a presença do vírus HIV, então, é algo ainda mais complexo e delicado. Porém, a tecnologia aliada à proximidade entre o paciente e o médico de família parece ser um caminho para o avanço efetivo para um rápido diagnóstico. Somente exames de sangue e testes rápidos, como nos casos de HIV, sífilis e hepatites B e C, podem confirmar que existe alguma contaminação ou suspeita. Mas a melhor forma de convencer uma pessoa a se cuidar é se aproximando dela. E essa vantagem somente uma equipe de saúde acessível detém.

Assim nascem as campanhas que temos visto mensalmente, tentando conscientizar e fazer com que sociedade converse sobre assuntos que até antigamente eram tabus. Com o “Dezembro Vermelho” não é diferente: é uma maneira de alertar a população dos riscos e da vulnerabilidade das pessoas, de como se prevenirem, evitarem e até conversarem sobre o assunto de maneira mais simples e que continua afetando, em sua maioria, jovens. Um exemplo é a capital do País, Brasília – dos 3.731 casos de HIV notificados nos últimos cinco anos no Distrito Federal, 51% ocorreram na faixa etária entre 15 e 29 anos, segundo dados da Secretaria de Saúde (SES). Somente no ano passado, do total de 680 episódios de HIV detectados em todas as idades, 80% estão entre pessoas de 15 a 39 anos, segundo Agência Brasília. Tais números ligam o sinal de alerta e reforçam a necessidade de mais diálogo e informações.

Na última semana, o Ministério da Saúde lançou a Campanha de Prevenção ao HIV/Aids. Entre 2014 e 2018, o país conseguiu evitar 2,5 mil mortes por Aids, uma redução de 22,8%. Apesar dos dados serem positivos, o foco da nova campanha incentiva que pessoas que não se preveniram em algum momento da vida, procurem uma unidade de saúde para realização do teste rápido. Vale esclarecer que com o tratamento adequado, o vírus HIV fica indetectável, ou seja, não pode ser transmitido por relação sexual, e a pessoa não irá desenvolver Aids.

János Valery Gyuricza, head de Medicina na Cuidas (foto), startup que conecta empresas com médicos e enfermeiros para atendimentos no próprio local de trabalho. Médico formado pela Universidade de São Paulo, com residência em Medicina de Família e Comunidade no Hospital das Clínicas, na mesma universidade. É doutorando pelo Departamento de Medicina Preventiva (USP), em parceria com a Research Unit for General Practice da Universidade de Copenhague.

Rafael Barreto Coelho. head de Enfermagem na Cuidas, startup que conecta empresas com médicos e enfermeiros para atendimentos no próprio local de trabalho. Enfermeiro formado pela Universidade de São Paulo, com residência em Atenção Básica em Saúde da Família, na mesma universidade. É mestrando pelo Departamento de Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP, em parceria com o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.