O hábito de registrar fatos e informações do quotidiano humano é tão antigo como a própria história da humanidade. Sem tais registros, muito do que sabemos hoje do passado teria se perdido e provavelmente diversos avanços nas áreas sociais, da engenharia, medicina, financeira, dentre tantas, não teriam acontecido na mesma velocidade.

Veja, por exemplo, a história das transações comerciais. Alguns dos registros mais antigos remontam ao período do império egípcio (cerca de 2.000 AC), quando era comum fazendeiros depositarem seus grãos colhidos em armazéns, sendo que em troca recebiam um recibo. Estes recibos continham informações como a quantidade de grãos deixados no armazém pelo fazendeiro, gerando um controle de propriedade. Um dos relatos mais famosos de gestão de grãos naquele período foi do personagem bíblico conhecido como José do Egito. Aquele rapaz hebreu, escravo, após revelar um sonho do faraó é por este empossado como administrador geral sobre o império e tinha a missão de armazenar grãos por 7 anos durante o período de fartura das safras, até que viesse um período seguinte de escassez e assim se usasse as reservas de grãos para aplacar a fome. O famoso relato foi registrado na Bíblia em Gênesis capítulo 41, para quem quiser relembrar.

O ponto é: registrar dados que afetam as vidas das pessoas não é novo. Mas, fazê-lo de modo seguro e transparente sempre foi um desafio ao longo do tempo, e agora mais do que nunca!

Na área da saúde, registrar informações dos pacientes tem sido um trabalho importante, que até muito recentemente estava sob total responsabilidade dos profissionais e dos gestores da saúde. Os pacientes tinham seus dados médicos guardados por terceiros como fazemos com nosso dinheiro nos bancos.

Por isso, neste cenário de uma explosão exponencial na geração de dados digitais da saúde de cada paciente, vindos dos exames diagnósticos, prontuários eletrônicos, wearables, dentre outros, e armazenados em diferentes repositórios dos hospitais, clínicas e prestadores de serviços assistenciais, fica a dúvida: como iremos lidar com tamanha quantidade de informação de modo seguro e transparente ao paciente e aos profissionais que deles fazem uso?

A resposta em minha opinião e de inúmeros especialistas está no Blockchain! Mas para aqueles que não sabem exatamente o que Blockchain significa ou qual sua aplicação, segue uma breve explanação.

Segundo um site especializado, a tecnologia Blockchain tem sido recentemente o centro da atenção da mídia devido em grande parte ao sucesso do Bitcoin, uma nova moeda digital que usa a tecnologia Blockchain como seu sistema de registro de transação. No entanto, muitas pessoas realmente não entendem o que é a cadeia de blocos, ou Blockchain.

Simplificando, uma cadeia de blocos é um livro de registros distribuídos ou banco de dados que armazena registros conhecidos como blocos. Os blocos podem armazenar vários tipos de informação; são armazenados em vários dispositivos, o que garante que nenhuma pessoa ou entidade pode manipular a base de dados, sem que todos os outros saibam. Além disso, uma vez que um registro ou bloco é adicionado na cadeia de blocos (Blockchain), é imutável, o que resulta em uma melhor precisão e manutenção dos dados. Essa é a tal transparência do sistema. Veja como funciona neste vídeo curto abaixo.

Embora o Blockchain tenha iniciado com foco no mercado financeiro, é claro que tal tecnologia irá revolucionar outras áreas, como no registro e cuidado de dados médicos dos pacientes. Com certeza os diversos agentes da saúde, quer sejam hospitais, clínicas, prestadores de serviços assistenciais, fornecedores de produtos médicos e medicamentos, só para citar alguns, irão ganhar muito com o uso de um sistema digital de registro universal, compartilhado, seguro e transparente como o Blockchain. Mas eles estão no lado dos provedores de serviços da saúde, não são os usuários finais – os Pacientes!

Chegamos no ponto que é o tema central deste artigo – o uso do Blockchain na perspectiva dos Pacientes!

1) Prontuário Único da Jornada do Paciente – Um prontuário eletrônico que usa a tecnologia Blockchain pode ser um ponto de convergência para a informação de saúde de um paciente. Em uma rede internet verdadeiramente interoperável, os dados médicos e fisiológicos recolhidos ao longo da vida de um paciente através da atividade pessoal de saúde e bem-estar e atividades diagnósticas e terapêuticas, poderiam ser integrados de forma segura no prontuário digital único de um paciente. Passar do atual paradigma de troca de informações entre sistemas diferentes que armazenam nossos dados médicos para um prontuário digital único tem o potencial de retornar a propriedade dos dados de cuidados de saúde aos próprios pacientes, seus legítimos donos.

2) Os pacientes poderão escolher quando e para quem autorizar o acesso aos seus registros médicos – Os prestadores de assistência na saúde precisariam de chaves criptografadas para solicitar informações aos pacientes, e os pacientes poderão, por sua vez, selecionar quem tem acesso aos seus registros médicos e quando. Os pacientes poderão até pré autorizar o compartilhamento de informações com provedores específicos em situações de emergências sem realmente ter de antecipar o compartilhamento desses dados e ainda escolher quais entidades de pesquisa científica desejam  emprestar ou vender parte de seus dados.

3) Singularidade da informação dos pacientes – Os dados coletados através de nossas atividades de saúde e bem-estar pessoal, diagnósticos, terapias, procedimentos, dispositivos inteligentes, testes genéticos e outras fontes poderiam ser integrados de forma segura no nosso prontuário digital único, acessível tanto para nós pacientes como para instituições de saúde aonde nos tratamos. O prontuário digital único poderá ter dados controlados pelo paciente e em nível institucional nos hospitais e centros médicos com quem estamos cadastrados, cada um com chaves de acesso criptografadas para compartilhamento seguro dos nossos dados. Toda interação é marcada com o tempo e imutavelmente anexada à cadeia de blocos (Blockchain), aumentando sua segurança intrínseca e fidelidade da informação.

“Agora, provavelmente, é o momento certo em nossa história para adotar uma nova abordagem para o compartilhamento de dados nos cuidados de saúde”, diz John Halamka, diretor de informações do centro médico Beth Israel Deaconess, com sede em Boston.

Sim, há muitas possibilidades a nossa frente nesta jornada da transformação da Saúde Digital, olhando pela ótica dos pacientes. Estamos ainda nos primeiros metros dessa maratona, mas o que nos fará chegar no final da corrida será motivação, visão, colaboração e resiliência, principalmente.

Em artigos futuros voltarei ao tema do Blockchain, pois acredito que ele veio para ficar assim como hoje não vivemos mais sem a Internet!

Guilherme Rabello responde pela Gerencia Comercial e Inteligência de Mercado do InovaInCor – InCor / Fundação Zerbini (grabello.inovaincor@zerbini.org.br). Atua como consultor, palestrante e escreve artigos sobre inovação, tecnologia e negócios.